domingo, 26 de fevereiro de 2012

Próxima Reunião: 27/02 - 18h30 - Vão Livre História/Geo - Próximo à Lanchonete

PARTICIPEM DO ATO PELA DEMOCRATIZAÇÃO!!


Adusp contesta judicialmente eleição para Reitor

Trecho de Informativo ADUSP (N. 338): "No mês de setembro, a Adusp encaminhou ao promotor de justiça Silvio Marques, da Promotoria do Patrimônio Público e Social, ofício em que contesta a defesa da USP no inquérito civil instaurado em abril de 2011, que investiga descumprimento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) no tocante à composição do colégio eleitoral de reitor, e consequente irregularidade no processo eleitoral (Informativo Adusp 326). O inquérito decorre de uma representação da Adusp contra a USP, em razão de que o número de docentes nos colegiados excede os 70% fixados pela LDB, em detrimento das demais categorias.
No documento, a advogada Lara Lorena, representante da entidade, lembra que a USP — ao citar o fato de que uma ação movida em 2005 pela Adusp contra a universidade foi julgada extinta sem exame do mérito — “propositalmente, apenas destacou a decisão que indeferiu a medida liminar, omitindo o teor da sentença e do acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que denegou a segurança com base do princípio do fato consumado, dado que em razão da morosidade do Poder Judiciário, por ocasião do julgamento, o mandato da então Reitora já havia inclusive se encerrado”. Por isso, acrescenta, “o Poder Judiciário em nenhum momento apreciou o mérito da matéria, qual seja, a legalidade da composição dos colegiados da Universidade de São Paulo”.
A Adusp contesta as surpreendentes alegações da defesa da USP de que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional “não é norma de diretriz ou base da educação nacional”; de que, apesar disso, os órgãos colegiados da USP se encontrariam em consonância à LDB à medida garantem o mínimo de 70% dos assentos destinados aos docentes; de que, ainda, a norma citada não veda quantidade superior destinada aos docentes, “desde que se assegure a existência de órgãos colegiados deliberativos, nos quais participem os segmentos da comunidade”; e finalmente, de que a LDB não estabelece a composição das demais categorias.
Presunção
“No tocante ao mérito, não merece longas considerações, por óbvio, refutar o argumento sofrível de que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional não é norma de diretriz ou base da educação nacional”, diz o documento encaminhado pela Adusp à Promotoria. “Tal argumento somente poderia ser aventado pela autarquia que tem como histórico acreditar que não deve observância ao ordenamento jurídico pátrio, apenas às regras que ela mesma se impõe, em uma presunção completa de legalidade de todos os seus atos, confundindo autonomia com soberania”.
Ainda segundo o texto: “Como se depreende dos dados e percentuais apresentados na peça inicial da representação, não contestados ou impugnados pela Universidade de São Paulo, não é verídica a alegação de que a USP assegura a participação democrática dos diversos segmentos da comunidade universitária. Não há como garantir a participação dos demais segmentos da comunidade nas deliberações dos colegiados à medida que a representação docente atinge 80% a 90% na maioria de seus colegiados”.
O dispositivo da LDB que fixa índice de 70% de docentes nos colegiados, prossegue, deve ser observado “em consonância aos demais princípios diretivos da lei, em especial o princípio da participação democrática, que, a despeito da posição da USP, também foi assegurado como princípio do ensino superior público pela Constituição Federal brasileira”. Embora não estabeleça percentual máximo para a representação docente, sustenta o documento, “a norma proíbe sim percentual superior aos 70% à medida que inviabiliza a participação democrática dos demais segmentos que compõem os interesses das diversas categorias da comunidade universitária”.
Normas que constam de diversos dispositivos do Estatuto da USP chegam a “vedar a composição democrática dos colegiados, impossibilitando que as demais categorias cheguem a atingir o percentual de 30%, em flagrante ilegalidade”.
leia mais em: INFORMATIVO ADUSP. Nº 338, 28/NOVEMBRO, 2011.

Autoritarismo na eleição dos representantes docentes



Trecho do Informativo Adusp: “Autoritarismo explícito: eleição de representantes de associados e doutores no CO dura 30 minutos!
Uma nova demonstração do desrespeito da USP ao mais elementar dos direitos dos docentes (o de votar e ser votado na composição dos colegiados) ocorreu no recente processo de eleição dos representantes das categorias de professor doutor e professor associado no Conselho Universitário (CO).
Essas categorias têm direito a eleger, cada uma, um só representante como membro do CO. Os representantes são eleitos por delegados das unidades. Assim, a eleição dos representantes é precedida pela eleição dos delegados.
A eleição dos delegados ocorreu no dia 18/10. Se, nos anos anteriores, esta eleição durou um dia inteiro, desta vez as urnas ficaram abertas por apenas duas horas! Na eleição dos representantes, em 25/10, os candidatos tiveram apenas quinze minutos para inscrever-se, e meia hora para votar: entre 10h30 e 11h00 para os associados e entre 14h30 e 15h00 para os doutores.”
leia mais em: INFORMATIVO ADUSP. Nº 247, 5/NOVEMBRO, 2007.

Veja o depoimento de Franklin Leopoldo e Silva sobre a Estatuinte de 1988

“as votações da reforma estatutária, assim como a maioria das outras que se verificavam no Conselho, faziam a bancada oscilar entre a perplexidade e o desânimo. Chocavamnos particularmente certos procedimentos "coronelistas", que entendíamos absurdos no órgão máximo da Universidade. Havia conselheiros que controlavam certo número de votantes, embora isso possa parecer inacreditável tratando-se de diretores e representantes de Congregações. Os acordos eram realizados entre esses coronéis, que depois instruíam os seus agregados acerca da maneira de votar. Isso fazia com que a maioria dos resultados já pudesse ser a priori conhecida desde que se soubesse dos acordos estipulados e da repartição de cargos nas comissões do Conselho. Em muitas votações os únicos votos destoantes eram os dos representantes estudantis e docentes, o que tornava fácil prever o placar.”

leia mais em: LEOPOLDO E SILVA, Franklin. Uma experiência de representação docente no Conselho Universitário.  Jornal do IV Congresso, Agosto, 2000. http://www.adusp.org.br/files/iv_congresso/IV_Congresso_1.pdf

Conheça mais sobre a Estatuinte que originou o atual Estatuto



Trecho do texto "Carreira Docente em Debate" - Adusp
“A reforma completa do Estatuto da USP começou a ser votada na 769ª Sessão Extraordinária do CO, no dia 23/5/1988, logo após a Comissão de Sistematização ter apresentado seu anteprojeto de Estatuto com base nos textos elaborados pelas diversas comissões temáticas, entre elas a Comissão de Carreira e Regime de Trabalho, da qual fez parte o professor João Zanetic, na qualidade de representante dos professores assistentes (MS2) no CO.
No segundo semestre de 1987, a Adusp, a Asusp e o DCE organizaram o III Congresso da USP, com participação paritária de funcionários, estudantes e docentes, que tinha como finalidade central debater a concepção de Universidade e , a partir dela, elaborar um anteprojeto de Estatuto da USP. Das propostas do III Congresso emanaram emendas a quase todos os artigos do anteprojeto da Comissão de Sistematização.
É importante informar que, antecedendo a votação da reforma, um decreto de setembro de 1987 alterava a sistemática de votação. Ele estabelecia que a reforma dos Estatutos ocorreria em ‘votação secreta’ e que o quórum, nos dois anos seguintes, seria reduzido para ‘maioria absoluta’, o que então equivalia a 44 votos, ao invés dos dois terços da totalidade dos membros do Co.
Convém lembrar também que as bancadas docente e discente (à época, não havia representação dos funcionários), juntamente com mais alguns conselheiros, pleiteavam que a ‘votação secreta’ fosse susbtituída pelo ‘voto aberto e nominal’. Essas bancadas entendiam que essa mudança seria coerente com a construção de uma sociedade democrática e que a Universidade de São Paulo teria que ser exemplar naquele momento vivido pelo país, recém saído dos anos de chumbo da Ditadura Militar que impedira, em 1969, a aprovação de um Estatuto democrático, que incorporava várias propostas vindas do projeto de Estatuto elaborado pela Comissão Paritária de 1968.
A alteração estatuária para o voto aberto e nominal possibilitaria, no entender das bancadas discente e docente, a negociação no plenário do Co entre os anteprojetos emanados da Comissão de Sistematização e do III Congresso da USP. Ou seja, possibilitaria que fossem postas em debate as diferentes concepções de Universidade, presentes no CO, que embasariam inclusive as diferentes proposições de carreira docente.
Atendendo a compromisso que havia assumido numa visita ao Conselho de representantes da Adusp, em 8/3, o reitor José Goldemberg se comprometeu a colocar como questão de ordem essa alteração estatuária. Depois de várias horas de discussão acalorada, a matéria foi colocada em votação: 53 conselheiros pronunciaram-se favoravelmente ao ‘voto secreto’, contra 31 favoráveis ao ‘voto aberto e nominal’. Essa discussão ainda é atual: é razoável, por exemplo, que propostas de reforma do Estatuto da universidade sejam decididos em votação secreta?”

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

INFORMAÇÕES PARA O DEBATE SOBRE UMA NOVA ESTATUINTE NA USP


INFORMAÇÕES
PARA O DEBATE SOBRE UMA NOVA ESTATUINTE NA USP


Assembléia de estudantes da USP, após ato em defesa de
uma educação democrática e de qualidade, no MASP, em 2011

ÍNDICE
1.                  Quem somos e o que queremos...............
2.                  Introdução................................................
3.                  A atual estrutura de poder da USP...........
4.                  (Alguns) pontos problemáticos.................
4.1.             Os colégios eleitorais..................
4.2.             A escolha do governador....
4.3.             A participação de professores(as)
4.4.             O Regime Disciplinar de 1972......
5.                  Argumentos e contra-argumentos...........
6.                  Dicionário..................................................
7.                  Mais informações......................................

1.  quem somos e o que queremos

Nós somos graduandas(os) e pós-graduandas(os) da USP. Por interesse e afinidade, fundamos um grupo de estudos e de trabalho interdisciplinar sobre as relações de poder nos órgãos decisórios da USP. Além disso, pretendemos organizar debates públicos acerca do atual funcionamento dos órgãos representativos da universidade. Não estamos vinculadas(os) direta ou indiretamente a nenhum partido político ou corrente específica do movimento estudantil. Somos um coletivo aberto a qualquer estudante interessada(o) no assunto, tal como já anunciamos em assembléias durante a greve. Por isso, se quiser participar, não hesite em entrar em contato conosco (ver dados ao final).
Com este panfleto, queremos contribuir com algumas informações fundamentais, em geral pouco acessíveis, para o aprofundamento dos debates sobre as relações de poder na universidade. Assim, esperamos evitar que a falta de conhecimentos básicos fragilize a posição estudantil quanto a uma modificação profunda do ordenamento da USP.

2.  introdução

A USP é uma das universidades cujo funcionamento é um dos mais autoritários do Brasil. O caso da forma de eleição para reitor é apenas um demonstrativo de sua lógica: 98% das pessoas diretamente interessadas (estudantes, professores e funcionários) são excluídas do colégio eleitoral, que é alterado de 2% de participação no 1º turno para apenas 0,4% no 2º turno.
Por que isso é relevante? Se poderia afirmar simplesmente que tal processo importa na medida em que é a partir dele que se preenche o cargo do maior agente executivo da universidade. Isso talvez já bastasse. Porém, é muito mais que isso. O processo de eleição para reitor serve como fio condutor de uma análise acerca das estruturas universitárias de poder.
Como veremos, a maioria das pessoas que elegem o reitor ocupa cargos de sua livre escolha (do reitor). Isso significa que o novo dirigente é escolhido pelas pessoas escolhidas pelo antigo reitor. Por certo, isso forma um ciclo vicioso que permite a perpetuação de certos grupos de poder.
De fato, a questão da auto-replicação de estruturas e grupos que se encontram em cargos políticos da USP há décadas vem acompanhada de outros dois fenômenos fundamentais. Por um lado, o poder desmesurado dos professores titulares (inclusive relativamente aos demais professores), cuja cota de participação é determinante em todas as instâncias (item 4.3). Por outro lado, a participação irrisória de estudantes e funcionários em tais instâncias, fato que contraria até normas federais. (item 4.1) Tudo isso é mascarado sob a falsa imagem de que há eleições livres e democráticas na Universidade de São Paulo.
Como isso se dá? Que outros exemplos de organização podem nos apontar possibilidades de mudança? Que argumentos e falácias fundamentam essa realidade? Eis o que procuraremos expor em resumo neste panfleto. Caso não entenda algum termo, preparamos um mini-dicionário no item 6.
3.  a atual estrutura de poder da USP

Desde o final de 2011, a USP vivenciou diversos ataques autoritários envolvendo o uso da força repressiva da polícia militar. O mais famoso deles foi a violência com que um estudante negro foi abordado por um dos policiais que invadiu o espaço dos estudantes (DCE), arrastando o aluno com força e chegando até a apontar o revólver em direção a sua barriga, segundo relatos dos presentes. Se esse último episódio ficou mais conhecido por ter sido gravado, na verdade, talvez o mais assustador de todos tenha sido a prática da tortura dentro do campus universitário, mais exatamente dentro da reitoria, em meio a uma violenta reintegração de posse do prédio. Como se explica que tais monstruosidades não tenham sido seguidas por uma imediata abertura de investigação pelos órgãos da universidade? Mais do que isso, por que o reitor nem sequer se pronunciou sobre esses fatos? A paralisia dos órgãos de política universitária frente a esses e outros abusos policiais só se explicam em um quadro social no qual diversas estruturas autoritárias implantadas na ditadura militar ainda estão vigentes no Brasil, dentre as quais a própria polícia militar (única polícia militarizada do mundo) e a estrutura de poder na Universidade de São Paulo.
É claro, o que restou da ditadura na USP tem sido muito bem camuflado com a falsa crença de que a universidade já passou pelo processo de democratização, uma vez que reformou o seu estatuto no emblemático ano de 1988, portanto, já sob um Estado democrático de direito. Nada é mais falso do que essa impressão.
Basta olhar para a forma que o estatuto foi reformado para se ter certeza que o resultado final de seu conteúdo não poderia ser democrático. Pouco antes da reforma, um decreto de 1987 instaurava uma nova sistemática autoritária para as votações: o voto seria secreto e a maioria de 2/3 seria rebaixada para uma maioria simples.
Mas nem tudo foi inovação na reforma do estatuto. Foi a partir do estatuto da ditadura que a abertura de um processo estatuinte foi promovido o que trouxe ao processo de “democratização” todas as consequências nefastas da estrutura de poder vigente: os funcionários sem direito à participação no CO também não participaram da reforma, os procedimentos coronelistas não permitiam nenhuma novidade nos resultados das votações. Franklin Leopoldo e Silva, representante docente na estatuinte, descreveu como o CO que aprovou o novo estatuto era um sistema fechado, cercado de jogos internos de poder em que os representantes docentes eram vistos como uma ameaça e não como participantes legítimos.
     Enquanto o órgão máximo de política da universidade utilizava de procedimentos sigilosos, não-democráticos e favorecia privilégios ao invés da igualdade, a realidade da comunidade extra-muros do conselho universitário era o oposto. Os funcionários, estudantes e docentes organizaram no segundo semestre de 1987 o III Congresso da USP que tinha como um dos seus pontos a discussão da estrutura de poder na universidade.
Algumas resoluções do Congresso sobre o novo estatuto – aquelas que não alcançaram maioria absoluta - foram submetidas a um Plebiscito paritário (ao contrário da estatuinte que visou desde o início o estabelecimento de meras maiorias simples). No plebiscito votaram 1.347 docentes, 2.950 estudantes e 1.476 funcionários. As propostas resultantes foram enviadas como emendas a quase todos os artigos do anteprojeto da Comissão de Sistematização.
As propostas enviadas pela comunidade universitária defendiam uma constituição mais democrática da estrutura de poder na universidade defendendo a eleição direta e paritária para reitor e diretor de unidade, a eleição para chefe de departamento definida pela plenária departamental e que o requisito mínimo para exercer qualquer um dos cargos acima era ser docente com título de doutor.
Além disso, houve uma construção de diálogo entre as bancadas dos representantes dos docentes e dos estudantes no CO e, sobretudo, uma forte articulação com as bases fazendo com que as votações na estatuinte representassem as manifestações da comunidade em reuniões das categorias. 
Apesar de todo o ímpeto democrático da comunidade universitária, o CO demonstrou como é um órgão isolado da universidade e somente aprovou, entre as propostas encaminhadas, o encurtamento da carreira docente com a criação da função de professor associado.
O resultado desse processo autoritário foi o estatuto ainda em vigor que apresenta em seus diversos pontos a marca da ausência de democracia.

4.  pontos problemáticos

Não pretendemos apontar aqui todos os problemas decorrentes do atual Estatuto da USP. Ainda estamos em fase de estudos. Por isso, escolhemos quatro pontos que nos parecem especialmente graves e que podem ser modificados em uma Estatuinte (isto é, no processo de construção de um novo estatuto). Outros aspectos serão abordados futuramente.

4.1. os colégios eleitorais

De acordo com o artigo 36 do Estatuto da USP, o reitor será escolhido pelo Governador do Estado de São Paulo dentre os candidatos de uma lista tríplice. Essa lista é o produto de um processo que possui dois turnos. No primeiro, forma-se um colégio eleitoral composto por cerca de 2% da comunidade universitária. Votam os membros do Conselho Universitário (CO), dos Conselhos Centrais (CC), das Congregações das Unidades e dos Conselhos dos Museus e Institutos, que elegem 8 candidatos.
No segundo turno, apenas os representantes do CO e dos CC votam – justamente as instâncias com maior número de membros nomeados pela Reitoria e onde ela exerce sua maior influência direta e indireta. Ora, nessa segunda etapa, apenas 0,4% da comunidade USP escolhe 3 nomes, dentre os 8 do primeiro turno, que serão enviados para a livre escolha do governador.
O processo de eleição para reitor da USP possui vários elementos criticáveis: (a) o colégio eleitoral do 1º e do 2º turnos são dominados pelo segmento dos professores, que participam com uma média de 86% dos votos; (b) a maioria esmagadora desses professores votantes só participa do pleito por possuírem um cargo político, condicionado à vontade da reitoria – o cargo de “professor titular”; (c) há um número considerável de votantes de todas as instâncias decisórias que são nomeados diretamente pelo reitor, na forma do Estatuto; (d) a composição do colégio eleitoral muda do primeiro para o segundo turno; (e) o atual Estatuto da USP desrespeita as normas vigentes quanto ao princípio educacional da gestão democrática; (f) fala-se em democracia universitária e processo democrático de eleição, mas além de não votar diretamente, o conjunto de estudantes não é sequer consultado, os candidatos a reitor não apresentam ou discutem publicamente projetos de campanha com metas e objetivos determinados, tampouco necessitam fazer chapas indicando quem serão seus vice-reitor e pró-reitores – o que diminui a transparência do processo e o poder de escolha dos votantes.





CLR – Comissão de Legislação e Recursos                 CoG – Conselho de Graduação
COP – Comissão de Orçamento e Patrimônio        CoPGr – Conselho de Pós-Graduação
CAA – Comissão de Atividades Acadêmicas            CoPq – Conselho de Pesquisa
CoCEx – Conselho de Cultura e Extensão




 A interpretação uspiana da lei

É curioso notar que, em momentos de tensão, aqueles que se pretendem os arautos da legalidade costumam ignorar os princípios e prerrogativas previstos no ordenamento brasileiro. No debate da USP isso é notório. Não sabemos quantas vezes Rodas falou acerca da aplicação da lei no interior do campus, mas só retoricamente falou em democracia. E, no entanto, esta também é “lei” – Lei Maior, aliás.
Nesse sentido, não se pode esquecer que o artigo 206 da Constituição Federal dispõe acerca dos princípios que devem nortear a educação no Brasil. Note-se que no inciso VI se insculpe precisamente a imperatividade da “gestão democrática do ensino público, na forma da lei”. Tal dispositivo foi regulamentado pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB ou Lei nº 9.394 de 1996), cujo artigo 56 prevê:

Art. 56. As instituições públicas de educação superior obedecerão ao princípio da gestão democrática, assegurada a existência de órgãos colegiados deliberativos, de que participarão os segmentos da comunidade institucional, local e regional.
Parágrafo único. Em qualquer caso, os docentes ocuparão setenta por cento dos assentos em cada órgão colegiado e comissão, inclusive nos que tratarem da elaboração e modificações estatutárias e regimentais, bem como da escolha de dirigentes.

Portanto, nos termos da lei, “gestão democrática” é aquela em que todos os segmentos participam das decisões, estando a participação do grupo dos professores limitada a 70% dos votos nas instâncias decisórias. Se admitirmos tal definição, concluiremos que na USP não existe “gestão democrática”. Considere, por exemplo, a composição do órgão máximo da universidade, o CO:

Categoria
Total na USP
Quanto representam na USP
Total no CO
Quanto representam no CO
Docentes
5.078
5,3%
87
       80,6%
Estudantes (Graduação)
43.878
46,1%
8
7,4%
Estudantes (Pós)
31.259
32,8%
4
3,7%
Funcionários
15.008
15,8%
3
2,8%
Representantes externos
*
*
6
5,5%







Tabela reproduzida da Revista Adusp nº 35, p. 20 (dados extraídos da Secretaria Geral da USP, 2004)
  
Tenha em conta também o processo eleitoral para reitor:

Categoria
Nº eleitores  1º turno
Participação 1º turno
Nº eleitores 2º turno
Participação 2º turno
Docentes
1476
88%
247
85,2%
Discentes
135
8%
34
11,7%
Funcionários
60
3,6%
3
1%
Externos
6
0,4%
6
2,1%
Totais
1677
100%
290
100%




 Tabela reproduzida da Revista Adusp nº 35, p. 7 (dados extraídos da Secretaria Geral da USP, 2005)

Como se vê, os docentes, que representam 5,3% da comunidade acadêmica, detêm uma média de 86% dos votos previstos, o que está muito além dos 70% da lei.
Além disso, diferentemente de todas as outras universidades públicas que se conhece, entre os votantes “externos” há 2 vagas para representantes da indústria e do comércio e apenas 1 para o(a) representante dos(as) trabalhadores(as), quando normalmente a relação é de 1 para 1. Tais cargos têm sido preenchidos por indicados pela reitoria, como forma de extensão de seu poder. Basta notar os recentes editais do reitor Rodas, prevendo um período de inscrição para o preenchimento dessas funções de imensos 15 minutos. Outro dado coerente com essa realidade é o de que tanto no CO quanto no segundo turno do colégio eleitoral, esses representantes externos têm o dobro de votos dos próprios funcionários da universidade. No CO isso representa metade dos votos dos estudantes. Por que os interesses da indústria e do comércio devem se sobrepor aos interesses estudantis, que prezam pela melhoria e democratização da universidade pública e de qualidade?
Para cada turno uma “democracia”
Viu-se que no primeiro turno votam 2% da comunidade acadêmica, enquanto no segundo votam 0,4%. Isso significa que, no segundo turno, 80% das pessoas que votaram no primeiro turno são excluídas. Quem são esses 20% de homens e mulheres biônicos? São justamente os grupos de pessoas mais próximos ao poder direto da reitoria – os membros do CO e dos CC.
Uma das conseqüências desse sistema é que, da lista inicial de 8 nomes, os 3 candidatos mais votados no primeiro turno não constam necessariamente da lista tríplice final entregue ao governador.  
Isso quer dizer que, na prática, para que o atual grupo de poder se perpetue na USP basta conseguir que seu candidato fique entre os 8 mais votados no primeiro turno. Para quem está no comando da estrutura universitária, com representantes em todas as instâncias, isso não parece ser tão difícil. Depois, vem o segundo turno, com muito menos pessoas, e normalmente mais ligadas à reitoria (com raras exceções), conhecido por ser um jogo de cartas marcadas.
É assim que a atual estrutura da USP enseja a reprodução do poder dominante. O processo eleitoral e as instâncias decisórias têm um funcionamento que facilita esse fenômeno. Nesse tabuleiro, a mudança radical da composição do colégio eleitoral do primeiro para o segundo turno é uma peça-chave e, evidentemente, um descalabro. Não há democracia em que algumas pessoas votem no primeiro turno, mas não no segundo. Democracia pressupõe igualdade que se verifica na possibilidade de ir às urnas.

4.2.       a escolha do governador

O artigo 36 do Estatuto da USP prevê que compete ao Governador do Estado de São Paulo dar a palavra final no processo de eleição do reitor, escolhendo um dentre os três candidatos da lista tríplice que lhe é enviada. Isso constitui uma forma de ingerência da esfera governamental no plano interno da universidade. E é uma ingerência que não se justifica.
O papel do reitor implica no estabelecimento de planos e metas de longo prazo. Com efeito, não é exagero observar que, em muitas áreas do saber, apenas programas e incentivos de larga data podem frutificar conhecimentos. Nesse sentido, a própria lógica da universidade por vezes é antagônica àquela da política eleitoral, que costuma buscar “resultados” rápidos que possam ser utilizados em futuras campanhas. Não se pode admitir que a universidade pública tenha necessariamente as mesmas prioridades políticas que o governo estadual queira lhe imprimir.
Além disso, a universidade pode vir a representar – e talvez esta seja uma de suas maiores missões – uma espécie de celeiro do pensamento crítico. E crítico inclusive das políticas governamentais. Ora, essa responsabilidade maior exige condições que estejam à sua altura. Nada menos que autonomia (política, administrativa, financeira etc.) e liberdade de pensamento e de expressão.
A submissão do projeto de universidade pública aos imperativos da política governamental, que não raro mudam a cada quatro anos, é incompatível com aquelas condições. Desse modo, ela inviabiliza a realização de seus misteres sociais, razão pela qual carece de qualquer razoabilidade.
Insta frisar que o que mantém a USP nessa situação é apenas seu Estatuto. A Constituição do Estado de São Paulo assegura a necessária autonomia para que cada universidade estadual estabeleça suas próprias regras eleitorais (art. 254). Assim, não há lei estadual alguma que obrigue a universidade a manter essas regras eleitorais. Trata-se de uma escolha puramente política que, portanto, pode ser politicamente modificada.
Outras universidades brasileiras já conhecem a autonomia que a USP não tem. Eis o exemplo da UERJ, que é soberana na escolha do seu reitor e vice-reitor, cabendo ao governador apenas a proclamação dos nomes eleitos em uma formalidade pública. Não custa lembrar, de resto, que isso não deveria ser mérito algum, já que a autonomia universitária é uma norma que se encontra insculpida na Constituição Federal (art. 207).
Por fim, gostaríamos de assinalar que se o processo eleitoral interna corporis da USP já não é democrático, o que dizer daquele que ainda prevê uma intervenção governamental no seu momento determinante? Todo o processo eleitoral da USP há de ser repensado. Só com uma democracia real na universidade teremos chances de evitar que outros Rodas sejam eleitos.

4.3.       participação docente e a questão do mérito

Na Universidade de São Paulo os principais cargos políticos são exercidos exclusivamente pelos professores titulares, categoria final da carreira docente. Esse é o caso dos cargos de reitor e vice-reitor, diretor e vice-diretor de unidades, os presidentes dos conselhos de pesquisa, de graduação, de pós-graduação e de cultura e extensão universitária e quase obrigatoriamente também os chefes de departamento. Além disso, os professores titulares representam maioria dos votantes para reitor (cerca de 40% no 1º turno e cerca de 50% no determinante 2º turno). No CO são cerca de 75% dos membros. Também na Congregação da Unidade ao menos metade dos Professores Titulares tem a sua participação assegurada pelo Estatuto e no caso de Conselho do Departamento esse número sobre para 75%.
     Tal situação representa uma participação altamente inflacionada e totalmente desproporcional dos professores titulares em relação a sua verdadeira participação na comunidade universitária como um todo, já que não representam nem 1% do todo e apenas 10% dos docentes. O que explica essa distorção?
     Segundo os defensores, o ambiente acadêmico, por sua natureza particular, exige um exercício da política diferenciado em que o ideal de representação que é adequado a um Estado democrático de direito é inconveniente. (Interessante que são esses mesmos setores que acusam os estudantes da USP de reivindicarem privilégios por defenderem que a polícia militar não é adequada ao ambiente universitário).
     A gestão democrática que respeitaria a noção de representação partidarizaria o contexto acadêmico, inseriria atitudes populistas, ou então criaria um ambiente altamente político, característica que seria incompatível com uma universidade de qualidade. Ao contrário, tal instituição deveria ser administrada de acordo com os critérios do mérito e da competência que lhe são peculiares.
     Diversos pontos do estatuto desmentem por completo essa ficção de que a titularidade é o produto final do mérito acadêmico e não um cargo essencialmente político (como rejeitam, ao menos da boca para fora, os seus defensores).
     Em primeiro lugar, cabe à Comissão de Atividades Acadêmicas apenas opinar sobre a criação de cargos de professor titular, enquanto compete ao CO (descrito no estatuto como “órgão responsável por estabelecer a política geral da universidade”) deliberar de fato sobre a criação de cargos.
     Além disso, não é possível encontrar no estatuto, no regimento geral ou mesmo nos regimentos das unidades qualquer definição do que significa esse cargo em termos de mérito. Se não é um âmbito essencialmente político, por que não há uma definição de qual mérito ele representa?
     O estatuto limita-se a afirmar que os programas do concurso para provimento de cargo “aprovados pela Congregação, deverão ser formulados de modo a exigir dos candidatos a demonstração de sua competência no campo de conhecimento em que se realiza o concurso”. Mas afinal que competência é essa? Como ela se diferencia da competência já comprovada com o título de doutor? E daquela da livre-docência? E da competência comprovada no concurso para ser aceito como docente da USP? O mérito atribuído ao concursado como professor titular torna-se ainda mais questionável quando sabemos que a maioria desses concursos possui, na verdade, apenas um concorrente.
     O resultado prático dessas normas é que muitos professores associados estão impedidos de progredir na carreira não por falta de mérito, mas porque o chamado mérito não está disponível a eles por causa de um jogo político. A abertura de vagas para professores titulares é resultado de uma negociação política entre a reitoria e as unidades, em que está em jogo a manutenção de poder para determinados grupos e a abertura de novas vagas para grupos aliados.
Em suma, por trás desse mesmo título se encontram, então, professores medíocres assim como extraordinários.
E são esses professores que, por possuírem uma série de cargos políticos a eles reservados, acabam se perpetuando no poder, formando um círculo vicioso do poder do qual participam sempre os mesmos personagens que acumulam uma série de cargos (simultaneamente, são membros ou presidentes dos conselhos permanentes, participantes em outras comissões, dirigentes de coordenadorias, chefes de departamento e outros).
A violação do direito democrático de outras categorias da universidade, inclusive de professores, de participarem da política universitária não ocorre apenas por causa da sobreparticipação dessa minoria. No caso do CO, por exemplo, as outras categorias docentes têm direito a apenas um representante por categoria e mesmo esse direito é frequentemente violado. Em 2007, as urnas para segunda fase da votação dos representantes das categorias de professor associado e de professor doutor ficaram abertas apenas por 30 minutos para os eleitores. Em 2010, a segunda fase da eleição para representante dos auxiliares de ensino teve abertura das urnas por somente 15 minutos!
Os segmentos não-docentes, é claro, são os mais prejudicados. Em 2011, a Adusp chegou a encaminhar um ofício ao promotor de Justiça Silvio Marques contestando como é possível garantir a participação de todos os segmentos da comunidade se a representação docente responde por 80% a 90% dos membros de diferentes colegiados. No caso das últimas eleições para reitor novamente esta distorção se manifesta: enquanto 29,03% dos professores participaram do 1° turno e 16,72% do 2° turno a participação dos estudantes de pós-graduação foi de apenas 0,21% (1º turno) e 0,06% (2º), 0,17% (1º) e 0,03% (2º) dos estudantes de graduação e 0,44% (1º) e 0,01% (2º) dos funcionários.
Cabe ainda perguntar, será possível definir um projeto de universidade verdadeiramente democrática se não há participação de todas as categorias da comunidade universitária? As palavras de Franscisco Miraglia, ex-presidente da Adusp, em 1995 são extremamente atuais sobre esse ponto: “a justificativa da gestão democrática não é para nós discutirmos os pesos; como é que vai se dar a influência, ou quais são os estamentos que vão influir. A questão da gestão democrática se ampara essencialmente na natureza do trabalho que fazemos na universidade, na concepção que temos desse trabalho. Como é que tem que ser o ensino? Como é que se dá esse diálogo? Como é que se dá a pesquisa?”
É preciso ainda desmascarar a ideia de que toda universidade de qualidade exige que a política seja exercida quase que exclusivamente pelos professores titulares. Em nossos estudos descobrimos diversas universidades de alto nível em que não há qualquer distinção sobre a partir de qual título os docentes podem assumir cargos da política universitária, como as francesas Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais (École des hautes études en sciences sociales ou EHESS), a Universidade de Paris 1 e entre as brasileiras, a UFSCAR, a UERJ e a UFSC, entre outras.
Um novo estatuto que retire a exclusividade da ação política da mão dos professores titulares permitirá então despolitizar o cargo e ressignificá-lo inserindo, de fato, o mérito como critério do título.

4.4.                o regime disciplinar de 72

O Estatuto Geral da USP foi aprovado pela Resolução Estadual nº 3.461 no dia 7 de outubro de 1988, dois dias depois da promulgação da atual Constituição Federal do Brasil, que revogou grande parte das normas autoritárias vigentes durante a ditadura civil e militar. Tudo indica, portanto, que o atual Estatuto da USP acompanhou o processo de democratização do país, tendo operado a chamada “transição. Ledo engano. Contrariamente ao processo geral de “abertura das instituições”, o debate interno na USP se mostrou impermeável às tentativas da Adusp, do Sintusp, de C.A.s e demais organizações estudantis para imprimir no interior da estrutura universitária as mudanças ansiadas a nível nacional. As atas dos Congressos da USP o assinalam com detalhes.
Tal Estatuto exigia a regulamentação de diversos assuntos, o que atribuía a um futuro Regimento Geral da USP (art. 2º das “disposições transitórias”), que veio a ser promulgado dois anos depois, em 1990. Este, por sua vez, estabeleceu em suas “disposições transitórias”:

Artigo 4º - Enquanto não for aprovado o novo regime disciplinar pela CLR [Comissão de Legislação e Recursos], permanecem em vigor as normas disciplinares estabelecidas no Regimento Geral da USP editado pelo Decreto 52.906, de 27 de Março de 1972.

     O Regimento Geral de 1972, redigido durante a ditadura como forma de controle físico e ideológico da USP, foi aprovado por ninguém menos que o então governador Laudo Natel e o então reitor da USP, Miguel Reale – conhecido por ter feito parte do Conselho Supremo da Ação Integralista Brasileira, no cargo de secretário de doutrina e propaganda, tendo publicado O Estado Moderno: liberalismo, fascismo e integralismo, Atualidades brasileiras (da série integralista, v.3), ABC do integralismo, Perspectivas integralistas, entre outras obras de cunho fascista. Talvez por mero acaso, Miguel Reale tenha sido orientador do atual reitor da USP, Rodas, que já teve algumas oportunidades para demonstrar sua extrema “lealdade” aos ideais democráticos.
     Um dos dados mais significativos no sentido da permanência de certo espírito autoritário na Universidade de São Paulo se dá justamente na manutenção da parte referente ao regime disciplinar de 1972 até os dias de hoje. Ele contém preceitos incompatíveis com qualquer democracia que se preze e, em especial, com a Constituição Federal de 1988. Note-se, ilustrativamente, seu artigo 250, inciso VIII, típico da época ditatorial:

Artigo 250 - Constituem infração disciplinar do aluno, passíveis de sanção segundo a gravidade da falta cometida:
(...)
VIII - promover manifestação ou propaganda de caráter político-partidário, racial ou religioso, bem como incitar, promover ou apoiar ausências coletivas aos trabalhos escolares.

     Essa “infração disciplinar” constitui, segundo a Constituição Federal, um direito e garantia fundamental de qualquer pessoa:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
(...)
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
(...)
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
(...)
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional (...)”

Além disso, longe de criminalizar a greve, tal como em épocas ditatoriais, a atual Constituição Federal assegura o direito de fazê-la, insculpindo-a como direito social:
Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
    
     Desse modo, o Regime Disciplinar de 1972 é uma norma inconstitucional. Em termos jurídicos, diz-se que é um regramento não recepcionado pela Constituição de 1988 e que, portanto, configura norma ab-rogada. Em linguagem comum, ela “não vale”.
Contudo, até o presente momento, a aplicação dessas regras disciplinares, que ferem garantias individuais e coletivas, não parece ter incomodado aqueles que têm se arvorado em “defensores da lei e da ordem”. Desde 1990 até hoje, a Comissão de Legislação e Recursos (CLR) não parece ainda ter encontrado “tempo” para redigir um novo regime conforme a ordem democrática – ou acredita que o de 1972 é plenamente satisfatório. Tanto é assim que estudantes e funcionários têm sido processados administrativamente com fundamento nesse regramento, apesar de sua vergonhosa inconstitucionalidade. Até quando?

5.  argumentos e contra-argumentos

(a) Se os colégios eleitorais forem democratizados a qualidade da USP vai baixar

Esse é o principal argumento utilizado por aqueles que defendem a atual estrutura de poder na universidade e o que mais sensibiliza estudantes, funcionários(as), professores(as) e o restante da opinião pública. Mas se trata de um argumento falacioso. A USP é considerada uma universidade de excelência apesar do seu autoritarismo, e não graças a ele.
A título de exemplo, comparemos a USP com a Unicamp, que tem consulta pública para eleger o seu reitor, com ponderação de votos distribuída em 60% de peso para professores, 20% para estudantes e 20% para funcionários, além de uma estrutura em geral muito mais democrática:


USP
UNICAMP
Orçamento (% ICMS)
5,2
2,1
Relação professor/estudante
na graduação
9,7
8,0
Nº de professores
5.118
1.857
Peso na produção científica do país
22%
9%
Média na CAPES
5,1
5,2
Média de trabalhos por Professor Doutor
4,9
5,0
Fonte: Censo da Educação Superior do MEC; dados publicados pela Folha de SP em 21 de junho de 2009, p. C3.

     Caso se assuma a CAPES como parâmetro confiável de análise[1], o que se demonstra é que a Unicamp, que é mais democrática, consegue ter o mesmo nível ou nível superior de desempenho e de eficácia que a USP.
Pode-se afirmar que a excelência dessas universidades está ligada principalmente a dois fatores que costumam ser esquecidos nesses debates de poder: (1) os recursos disponíveis para educação e (2) a qualidade do trabalho dos segmentos que compõem a universidade.
Quanto ao primeiro, não há muito a dizer. A USP é a universidade pública que mais recebe recursos no Brasil. Assim, estranho seria se ela não participasse da produção científica do país.
Já quanto ao segundo, muito há a ser dito. Se a produção da USP é reconhecida internacionalmente é graças a todas as pessoas que a constroem diariamente. É preciso que fique claro: os professores titulares, que hoje detêm todo o poder nas instâncias decisórias da USP, respondendo por 70,4% das cadeiras do CO representam somente 16% do total de docentes – e muitos deles não vão mais às salas de aula. Os professores associados e doutores são os maiores responsáveis pelo ensino, pela pesquisa e pela extensão na universidade, formando os 78,9% dos professores na ativa. Mas eles detêm somente 8,4% dos votos[2] do CO. 
Daí a conclusão: se hoje a USP é considerada uma universidade excelente é majoritariamente graças a todos esses professores com participação irrisória nos órgãos decisórios. A questão que se coloca é por que tais pessoas, cujo trabalho é excelente, não podem votar? E não se podem esquecer estudantes e funcionários(as), que participam dessa excelência, na medida em que também a constroem. Sem eles(as) a USP não seria o que é. Mas, juntos, esses segmentos só representam 14% do CO.
As pessoas que defendem o status quo entendem que todos esses estudantes, funcionários(as) e professores(as) são incapazes de decidir o futuro da universidade em que estudam e trabalham.
No fundo, o argumento não é tão diferente daqueles mobilizados pelos aristocratas em tempos de monarquia. Segundo eles, para haver um bom governo apenas os “bons” poderiam votar. Foi o que justificou o voto censitário no Brasil entre 1824 e 1891 (com a diferença de que, de acordo com o censo de 1872, na época votavam 13% da população; hoje votam somente 2% da comunidade da USP).
É preciso apontar a tentativa de dominação que se esconde por trás desse tipo de “discurso competente” (tal como denominado pela professora Marilena Chauí[3]), que mina o princípio de qualquer democracia, haja vista que reduz o direito de fala àqueles que o detêm em função de sua posição de poder e de opressão.

(b)            Não há exemplos mais democráticos e transparentes de “gestão democrática” universitária no Brasil.

É falsa a idéia de que não há alternativas viáveis à USP. Propostas não faltam. Não é nosso intuito indicar a melhor delas, pois tal decisão cabe a toda a comunidade universitária. Mas gostaríamos de sinalizar algumas experiências interessantes no Brasil.
Tanto na Unicamp quanto na Unesp os colégios eleitorais respeitam a proporção de 70% de votos para professores presente na LDB, sendo o restante distribuído ao restante da comunidade universitária (13% para estudantes, 10% para funcionários e 7% para representantes externos na Unicamp; e 14% para estudantes, 14% para funcionários e 3% para comunidade externa na Unesp). Contudo, em ambas, antes da votação é feita uma consulta oficial em que todas as pessoas podem votar. O resultado dessa consulta é publicado com os seguintes pesos: 60%, 20% e 20% na Unicamp, e 70%, 15% e 15% na Unesp, respectivamente para professores, estudantes e funcionários.
Cumpre observar que tal sistema foi adotado após a LDB, que data de 1996. Antes disso, na Unesp, havia paridade na consulta à comunidade. Além disso, até hoje a Unesp exige que os candidatos façam debates em todas as unidades de ensino da academia, que apresentem uma chapa com o nome do vice e que publiquem seus programas no jornal da universidade para o conhecimento de todos.
 Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) as eleições também respeitam o disposto na LDB, e antes delas também são feitas consultas à comunidade, cujos resultados, no entanto, são apresentados de modo paritário. Ademais, em ambas, o candidato a reitor pode ser professor doutor, diferentemente do que ocorre na USP, onde apenas professores titulares são passíveis de serem candidatos. Além disso, a UFSCar não envia lista tríplice para a escolha do(a) Ministro(a) da Educação. Somente o nome da chapa vencedora é enviado e o MEC tem aceitado essa postura de afirmação da autonomia da universidade.
Na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) as eleições são diretas e paritárias conforme a LDB, com a mera homologação dos resultados pelos Conselhos Superiores da universidade. Ainda, qualquer docente efetivo há mais de cinco anos pode ser candidato a reitor.
Enfim, na Universidade Federal do Pará (UFPA), o sistema de voto é universal desde 1993, sem ponderação ou pesos para cada segmento da comunidade acadêmica. O Conselho Universitário homologa os resultados e, tal como a UFSCar, envia ao MEC apenas os nomes da chapa vencedora.
Esses não são modelos a serem necessariamente seguidos. São exemplos que indicam que a USP tem um grande universo de possibilidades reais de transformação.
                           


6.  glossário

Adusp – Associação dos Docentes da USP: é entidade que representa as(os) professoras(es) da USP e que atua de forma independente em relação aos assuntos da universidade.
C.A. – Centros Acadêmicos: entidades representativas dos(as) estudantes. Em geral, cada departamento ou faculdade tem o seu.
CC – Conselhos Centrais: Conselho de Pesquisa, Conselho de Cultura e Extensão, Conselho de Graduação, Conselho de Pós-Graduação. Esses órgãos são responsáveis por traçar as diretrizes que nortearão a ação da Universidade nos respectivos campos de atuação.
Congresso da USP: espaço de debate com participação de estudantes, funcionários e professores que tem por objetivo traçar diretrizes para diferentes aspectos da vida universitária. Na história da USP já foram realizados cinco congressos.
CO – Conselho Universitário: órgão decisório máximo na USP e uma das instâncias com maior influência direta e indireta da reitoria. É presidido pelo reitor.
Colégio eleitoral: conjunto de pessoas habilitadas para votarem em determinada eleição. Ex.: as crianças não compõem o colégio eleitoral no Brasil.
Discente: que se refere a estudantes, dos(as) estudantes. Por ex., “o corpo discente”.
Docente: que se refere a professores(as), dos professores(as). Por ex., “a posição docente”.
Estatuto: lei ou conjunto de regras que regula a estrutura e o funcionamento da universidade, juntamente com o Regimento Geral e outras normas (decretos, resoluções e portarias).
Estatuinte: processo de construção de um novo estatuto
Pleito: tanto pode significar “eleição”, quanto “processo” ou “pedido”.
Reitor: cargo individual que mais concentra poderes na USP, é a posição executiva máxima, atualmente ocupada por Rodas.
Regimento Geral: conjunto de regras que regula a estrutura e o funcionamento da universidade, juntamente com o Estatuto e outras normas (decretos, resoluções e portarias).
Rodas: atual reitor da USP, escolhido pelo governador em 2009 apesar de ser o segundo colocado entre os eleitores do 2º turno.
Sintusp: Sindicato dos Trabalhadores da USP: entidade representativa das(os) funcionárias(os) da USP.
Sufrágio: voto.
Sufrágio direto: sistema em que não há representantes que votam em nome de grupos ou classes; todas as pessoas votam, sem intermediações.
Sufrágio paritário: sistema em que o critério de apuração não é o número absoluto de votos. Cada categoria da comunidade universitária – estudantes, funcionários e professores – possuem o mesmo valor na eleição, isto é, o voto de cada categoria vale 1/3.
Sufrágio proporcional: o peso de cada categoria – estudantes, funcionários e professores – respeita a proporção de participação desse corpo na comunidade universitária como um todo.
Sufrágio universal: sistema em que cada pessoa tem direito a um voto e todos os votos têm igual peso. O critério de apuração é o número absoluto de votos.


7.  mais informações

Para mais informações, recomendamos as revistas da Adusp, que estão disponíveis em seu site, juntamente a muitos outros dados: www.adusp.org.br. Conferir especialmente os nºs 22, 23 e 35. O informativo Adusp nº 240 e o antigo Jornal do Campus de 2007 também cuidam do tema. Sugere-se, ainda, o site do Sintusp: www.sintusp.org.br.
Além disso, nosso grupo de estudos possui um blog que contém algumas informações e que é atualizado de tempos em tempos: www.diretasjausp.blogspot.com. Caso tenha interesse em participar do grupo, confira no blog a data das nossas reuniões na USP e compareça e/ou envie um pedido de adesão à lista de discussão diretas-ja-usp@googlegroups.com.


[1] Não se ignoram as inúmeras críticas à CAPES, mas diante da falta de parâmetros objetivos, recorreu-se a ela, com ressalvas.
[2] Dados extraídos do Anuário Estatístico da USP, 2004.
[3] “O discurso competente é o discurso instituído. É aquele no qual a linguagem sofre uma restrição que poderia ser assim resumida: não é qualquer um que pode dizer a qualquer outro qualquer coisa em qualquer lugar e em qualquer circunstância. O discurso competente confunde-se, pois, com a linguagem institucionalmente permitida ou autorizada (...)” (CHAUI, Cultura e democracia: o discurso competente e outras falas, SP: Cortez, 2006).